quinta-feira, abril 26, 2007

Meus próprios morangos

Já havia falado que tinha lido 'Morangos Mofados' e tinha simplesmente me apaixonado pelo livro e pelo escritor, aquele tipo de paixão que te deixa mal quando o livro acaba, quando você tem que se desconectar de seu objeto de apreço. Pois é, mas o livro não era meu, era emprestado do Lucas, um amigo lá do teatro. E ontem, uma surpresa maravilhosa. Ganhei, dele mesmo, uma cópia só minha desse livro, uma edição antiga do extinto Círculo do Livro que ele encontrou em um sebo. Maravilhosa porque, primeiramente, quem me conhece sabe que adoro ganhar livros. Depois, porque o livro não podia ser melhor. E por fim, porque o Lucas é um dos grandes amigos que fiz no teatro, essa fase muito boa da minha vida, e é bom ser lembrado por novos grandes amigos.

Ontem, depois de chegar do Bourbon Street, quase 3h da manhã, comecei a reler um dos meus contos preferidos, que de certa forma, fala muito comigo. Fala sobre encontros, sobre um tipo de amor e paixão que supera o físico, o corpo. O conto é grande, mas vou colocar o primeiro parágrafo aqui.

* * *

AQUELES DOIS
(História de aparente mediocridade e repressão)

I
A verdade é que não havia mais ninguém em volta. Meses depois, não no começo, um deles diria que a repartição era como um "deserto de almas". O outro concordou sorrindo, orgulhoso, sabendo-se excluído. E longamente, entre cervejas, trocaram então ácidos comentários sobre as mulheres mal-amadas e vorazes, os papos de futebol, amigo secreto, lista de presente, bookmaker, bicho, endereço de cartomante, clipes no relógio de ponto, vezenquando salgadinhos no fim do expediente, champanha nacional em copo de plástico. Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra - talvez por isso, quem sabe? Mas nenhum se perguntou.

Não chegaram a usar palavras como "especial", "diferente" ou qualquer coisa assim. Apesar de, sem efusões, terem se reconhecido no primeiro segundo do primeiro minuto. (...)


Caio Fernando Abreu

2 comentários:

Mikie disse...

Que texto lindo...acredit muit nisso, nesse reconhecimento de almas. Almas gêmeas, almas companheiras, almas amigas...
Quero lerrrr :-), please quando puder vc me empresta?
Beijos
Mi

Alê Marucci disse...

Puta livro! Puta autor!
Não conhecia nem um, nem outro. Mas, graças a uma grande amiga que me presenteou com "Morangos Mofados" no meu aniversário, pude conhecer um pouco do universo de Caio Fernando. Universo que me deixou chapada, emocionada, dilacerada...
Já virou um dos autores favoritos.
Beijo.