terça-feira, março 06, 2007

A arte do espetáculo sob três pontos de vista

Recentemente fui assistir a três peças em cartaz em São Paulo, com temáticas e abordagens completamente diferentes, e analisá-las me deixa com uma sensação de estranhamento em relação ao teatro brasileiro, pois não consigo posicioná-lo e dimensioná-lo como arte. Não mais. Lembrando meu estudos de estética na universidade, grosseiramente falando, a arte opera justamente quando consegue tirar o espectador do plano da realidade e fazer com que este consiga transcendê-lo, pondo em xeque (ou confirmando) seus valores, crenças, sentimentos e emoções - ou apenas trazendo o indíviduo à esfera do belo e do aprazível. Pois bem, depois de me lembrar disto, só me resta a sensação de que a produção teatral em nosso país, com meu parco conhecimento do assunto, é confusa, beirando o meta-público (se um dia vier a existir esse termo) - um teatro feito críticos, e não mais para o espectador comum. Comecemos pelo estado das salas - é cool sentar no chão, amontados em lugares pequenos e abafados, ser alternativos. Tudo bem que a arte não conhece o luxo, e acontece em qualquer lugar, mas quando isso vira requisito básico, é preocupante. As salas mais bem preparadas só trazem vaudeville. E nas demais, você se revira na cadeira dura e mal ajambrada por três horas consecutivas (citando as instalações da unidade provisória do SESC Paulista, durante a apresentação do ótimo "Círculo de Giz Caucasiano"). Mas enfim, vamos às peças.



HOTEL LANCASTER
Provavelmente ganhou as quatro estrelinhas no guia da Folha pela excelente atuação de alguns dos atores, que nos deixam a pergunta se realmente estavam drogados em cena para conseguir atingir tal resultado. Mas a dramaturgia é pobre. Quem já não viu tal história? Um bando de desajustados em busca de nada - nem de redenção. A peça acaba assim também, no nada. E o pior foi que no dia em que assisti eu gostei, e gostei bastante. Mas depois, analisando friamente, nosso mundo contemporâneo precisa de mais. O texto não consegue nem ser o retrato do vazio, quanto mais conseguir transpô-lo.



ALDEOTAS
No dia não gostei muito, achei um trabalho menor de teatro. Mas não, e como estava errado. Precisava assistir, e re-assistir, e assistir de novo. Um texto delicioso, que sem recursos cênicos nenhum, te transporta para sua infância, para a fazenda no interior, para o gosto de terra, para as brincadeiras, para seu melhor amigo. Você tem quase duas horas de um prazer inenarrável, onde Gero e Marat te tornam cúmplice das histórias de seus personagens. Um texto sem pretensões, mas que te tocam, tocam lá no fundo. Ainda faltam o cenário, uma iluminação eficiente, o figurino, a música - essa falta só nos faz lembrar que um bom texto não precisa de nada disto - no momento em que vivemos, época de total descrença, o que vale é a palavra e a verdade que ela carrega, nada mais. Mas como diz o próprio texto de Gero Camilo, "é preciso um certo tempo para se fazer uma boa crítica".



KEROUAC
Eis a prova da total alienação teatral em que vivemos. Um ator vociferando palavras, cuspindo na platéia, suando, pulando, batendo uma máquina de escrever da forma mais esdrúxula possível e uma série de clichês que tentavam tornar o texto mais didático para uma geração que não viveu a década de 60, só podia resultar em 50 minutos de profundo distanciamento do objeto em estudo, o próprio Kerouac. Nenhuma nuance, nenhum sentimento, nada daquilo que está registrado em seus diários ou em suas entrevistas. Só achômetro colocado da pior forma possível: a superficial e sem embasamento para uma platéia que desconhece o assunto e toma por incrível o trabalho de um ator em puro frenesi. Repetindo uma frase do Wilde que é repetida constantemente na peça, "o caminho do excesso leva à sabedoria". Nesse caso, não posso concordar. O excesso, às vezes, é só excesso. E de fuder foi fechar com "Like a rolling stone", de Bob Dylan. Quer mais clichê que isso?

* * * * *

Que Deus devolva a voz aos artistas. Ou que continuemos a recorrer a Nelson, Plínio, Caio, Clarice, todos vocês que tinham algo para falar e ser compreendido.

2 comentários:

Stela disse...

Não vi essa última... Mas vc sabe que eu suuuuuper concordo com a sua crítica das duas primeiras... Hotel Lancaster é vazio... Não tem nada a dizer e quer com toda a força se fazer de muito cult... E Aldeotas é doce, gostoso... É uma daquelas peças que depois de assistir vc certamente sai andando com um sorriso de orelha a orelha...
Bjks e Saudadesssss!!!

Michel Simões disse...

Depois eu que sou amargo hehe (fui até reler meu texto sobre LMS e a única frase negativa q escrevi foi a que vc decorou, o Amargão hehe)

Pelo menos ficamos com opiniões iguais nas 3 peças hehehehe. Aldeota é um puta espetáculo, Hotel Lancaster é vazio, como vc diz irrelevante, e Kerouac decepção!!!